A vida oblíqua e os sentimentos açucarados: possíveis tangentes entre as obras de Adília Lopes e Clarice Lispector 2 de xul. de 2021
A vida oblíqua e os sentimentos açucarados: possíveis tangentes entre as obras de Adília Lopes e Clarice Lispector
Conferência
Se as especificidades quanto ao uso da linguagem e do humor separam por muito as margens das obras de Clarice Lispector e Adília Lopes, é possível, apesar disso, desenhar tangentes entre ambos territórios textuais. Em particular, propomos identificar e analisar nuances quanto ao seguinte leitmotiv: a apologia da escrita literária como estilo de vida alternativo a comportamentos
e modos de sentir dominantes. Em Água viva (1973), Lispector considera imprescindível criar “uma vida oblíqua”, lateral às formas de vida dominantes, pois viver não depende apenas dos “sentimentos grossos”. Para além disso, outras personagens, como Ana do conto “Amor” (Laços de família), não consentem uma vida desordenada e em perigo, na qual, no entanto, seria possível o
amor, a liberdade criativa, uma vida de vetor ético. Em Manhã, citando A câmara clara de Roland Barthes, Adília Lopes considera que “o açúcar é violento”. Na sua poesia, são alvo de um humor corrosivo e acerbo vários episódios de uma violência micropolítica que constrangem sobremaneira a emancipação individual. Do nosso ponto de vista, os “sentimentos grossos” claricianos são análogos ao “açúcar” adiliano, formas de vida assentes na presunção e na busca do sucesso, marcadas pela saturação identitária, a qual é inimiga, de resto, do devir sóbrio e múltiplo intrínseco ao processo criativo, tal como o entendem Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Fonte: https://adilialopes.webs.uvigo.gal